quinta-feira, 22 de março de 2012

A chuva do outro lado da janela

Albino Ribas e Chico Ribas



Thank You for your love me - Antony and the Johnson


Quanto tempo falta? Quantos dias ainda vão vir? Quantas vezes ainda vamos dar risadas de piadas bobas e tomar café juntos pra você tentar me explicar um pouco mais sobre esse caos chamado vida?
Eu sinceramente acho que muito. Temos muito tempo para estarmos um com o outro. Praticamente temos a vida inteira, que apesar do meu ceticismo, tenho certeza que manteremos nossa história viva quando estivermos do outro lado do muro.
Tem sido cada vez mais difícil caminhar por essa estrada, mas ao mesmo tempo parece que a gente vai aprendendo e se acostumando. Infelizmente a gente se acostuma com as perdas, as derrotas, a gente parece que se acostuma a viver com a saudade, com a lembrança.  Mas eu ainda tenho a sorte de poder matar a minha saudade sempre que eu quiser. Ainda posso me sentir protegido por você que com certeza é mais que meu pai.
Realmente eu carrego essa coisa do Pai-Herói. E não é por menos. As guerras que você já venceu e as que com certeza você ainda vai vencer não é pra qualquer um. Você é um grande herói. O maior talvez. O herói que me salvou dos bichos papões da infância. O herói que me salvou do escuro, do primeiro tombo de bicicleta, da primeira rodopiada no Kart. O herói que me salvou da fome e da miséria me dando sempre tudo do bom e do melhor. Um lugar pra morar, comida pra comer. Um herói que me salvou da ignorância me dando estudo, educação, me incentivando a seguir o caminho da cultura, que me deu livros para abrir meus olhos e minha imaginação.
É pai, não tem como. Mesmo sem calça, você é meu herói. O Herói sem Calça. Sabe que me perguntaram se eu não tive um herói na infância. Eu tive que responder que o herói que eu tive nem a Marvel e muito menos a CAPCOM conseguiram criar.
E hoje você completa 58 anos. Caramba. Quanto tempo. Como será que as coisas são aí dentro da sua cabeça? Há quatro dias atrás fez 32 anos que você perdeu seu pai e eu nem consigo imaginar eu ficando todo esse tempo sem você. 
Acho que tudo que se passa aí na sua cabeça daria pra fazer uma bela de uma história. Divertida e comovente.
Ainda os dias são difíceis. Eu sei que existe beleza em ver a chuva do outro lado da janela, mas mesmo assim dói. Dói muito. Não consigo me sentir preparado nem aceitar a perda. Ao mesmo tempo não consigo parar pensar nela. Será que você consegue me salvar desse medo também? É eu sei. Isso é inevitável.  Então só posso esperar que você esteja se sentindo feliz e realizado com a sua história. Que você possa curtir cada segundo valioso da sua vida. Que você pegue muito as estradas com minha mãe, que você esfrie sempre a sua cabeça com algumas porções de camarão e uma garrafa de cerveja.
Então como diria Caio Fernando Abreu – “que seja doce”. É isso que eu espero para você.
No ano passado eu deixei uma música do Cat Stevens chamada Father and Son. Esse ano deixo uma do Antony and the Johnson chamada “Thank you for your Love”. A música se resume em duas frases:
“Obrigado pelo seu amor” e “ Eu quero te agradecer”.

É isso mesmo. Obrigado por tudo que você fez e ainda continua fazendo pela gente.
Beijo grande no seu coração.

O filho que te ama,
Chico Ribas.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Vida Passageira

Música para ouvir durante a leitura.

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São dias como esse que me faz ter a certeza de que não vai adiantar nada. De que não existe caminho certo ou errado. Do lado de lá, existem as mesmas pessoas que do lado de cá. É só uma questão de escolha: qual lado você quer ficar?
Ontem eu caminhei pelo centro da cidade e vi um homem, abrindo mão de sua privacidade para poder fazer suas necessidades fisiológicas. Em plena praça pública. Um homem de meia idade, corpo pesado, barba e cabelos sujos.
Aquele homem podia ser meu pai. Podia ser o seu. Mas não. Ele é o pai de qualquer um. Ou talvez nem pai ele seja. Mas era um homem, digno de merecer um lugar para suas necessidades.
Tem muitos homens como esse aqui do lado de cá. Muitos catadores de lixo, muitos moradores de rua, muitos vagabundos, muitos bandidos, mas todos homens. Todos merecedores de uma vida digna. Mas eles sorriem. Acredite, eles sorriem. No final do dia, enquanto o sol se põe, eles se acomodam em um canto qualquer da cidade com seus papelões, e ai é possível ver esses homens sorrindo um sorriso sem dente, mas sincero.
O outro lado tem mansões, televisão de plasma, mesa farta, pessoas “civilizadas”. Tem banheiro. E você fecha a porta quando quer fazer alguma coisa, porque não tem coragem de fazer na frente dos seus pais. E isso não te torna um ser humano babaca. Mas isso também não te torna um ser humano melhor do que ninguém.
Se as pessoas soubessem sonhar mais. Amar mais. Fazer mais elogios. Talvez o mundo fosse outro. “Estamos condenados a vida” é a célebre frase dita por um catador de lixo. Não acredita, não é? Mas é.
Às vezes, a sensação que eu tenho, é de ter perdido uma pessoa. Um grande amor, talvez. Talvez não. É um grande amor. Mas sempre que penso nisso, logo em seguida tento pensar que o mundo ganhou uma pessoa. Uma grande pessoa.
Deixa de doer? Não. Claro que não. Dói muito. Mas isso me torna mais humano. Isso faz eu ter vontade de arrancar alguns dentes da minha boca, só para poder dar aquele mesmo sorriso sincero daqueles homens com papelões.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Para uma saudade do Maranhão

Não era carnaval, mas tinha folia na rua todos os dias.

Na praça, os frevos,

os maracatus,

Os bonecos de Olinda,

O calor daquela região.

Sem a corda bamba, o palhaço malabarista

No braço da Colombina do Maranhão.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Estado de Estrela Solitária

"Lone Star State"  é o apelido do estado do Texas por causa da estrela solitária na bandeira. Texas deriva de Tejas, palavra indígena que significa "amigos". 
Wim Wenders dirigiu um belíssimo filme com o grande Sam Shepard chamado "Estrela Solitária". Então deu-se daí o nome desse espaço que eu espero não acabar com ele nas próximas 48 horas.



Estrela Solitária

Eu tentei mudar algumas coisas em mim desde o dia que você foi embora. Tentei te odiar, tentei me matar, tentei amar outras mulheres (e consegui), mas sempre que eu tava pronto para me entregar você fazia questão de aparecer e mostrar quem realmente era a dona do território. 
Eu tentei segurar o talher do jeito "certo". Tentei usar camisa e gravata, arrumar emprego, pensar em como ajudar alguém que precisasse, mas não fui tão longe. O máximo que consegui foi rasgar a camisa em mais uma briga no balcão do bar. 
Eu tentei mudar o meu jeito de ver o mundo sempre que eu acordava. Mas aí eu não conseguia e seguia vivendo o dia do mesmo jeito. Esperava dormir para acordar no dia seguinte e tentar novamente.
Eu tentei pedir desculpas para as pessoas. Dar bom dia, boa tarde e boa noite, mas percebi que o mundo anda frio de mais para eu tentar compreendê-lo nessa altura do campeonato. Então continuei sendo o mesmo cara de antes. Enterrado no meu apartamento com meus discos de Blues, meus livros de histórias fracassadas e minhas garrafas de uísques. Pra que mais? Não pretendo ser padrão de modelo a ser seguido. Não sou empresário, muito menos pai de família. As pessoas não sabem quem eu sou e sinceramente prefiro que seja assim.
Não gosto das pessoas por perto dizendo o que eu devo ou não fazer. Tenho mais dedos nas mãos do que amigos na vida. E mesmo assim, ou eles insistem em morrer ou em me trair. 
É esse o meu estado, de estrela solitária. 
E não me peça para fazer diferente. Eu gosto disso. Gosto do dia assim, frio e cinza. Tudo fica mais bonito. Gosto de ver as pessoas bem arrumadas andando pela rua. Os bares vazios. No fim da noite, todo mundo em casa tomando chocolate quente. E eu aqui, com minha garrafa de uísque na mesa, tocando Willie Nelson na vitrola e vendo a cidade vazia da janela quebrada do meu apartamento.